Inflação dos alimentos pressiona os mais pobres; especialistas avaliam ações
Cerca de 90% dos itens de alimentação encareceram no ano passado. Famílias em situação de vulnerabilidade sentem mais o impacto
Um brasileiro vai ao mercado comprar apenas o essencial para fazer as refeições do mês mas, ao checar os preços na prateleira, não há outra opção, a não ser fazer substituições ou, até mesmo, abrir mão de certos itens, para que consiga pagar a conta no caixa. Se antes arroz, feijão, verduras e carne eram garantia na mesa, hoje são artigo de luxo para alguns, principalmente os mais pobres. Para esses, nem sempre os auxílios do governo são capazes de garantir o sustento.
Entre os principais fatores que influenciam a escalada dos preços estão inflação e a taxa de juros — em constante alta desde o ano passado. A categoria de alimentos e bebidas foi uma das que sofreu maior impacto para o IPCA-15 (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) no mês de maio. A variação foi de 1,52% na prévia para inflação do mês. O custo geral da alimentação em casa acumula mais de 16% na soma dos 12 meses anteriores. Em abril, os dados apontavam que cerca de 90% dos alimentos analisados encareceram no período de um ano.
Ivania Souza, 39 anos, tem marido e três filhos, e, há três meses, se tornou avó de Levi. Moradora da Vila Planalto, perdeu o emprego em março do ano passado, e desde então tem apenas o Auxílio Brasil e o Auxílio Aluguel para manter toda a família. Pagando R$ 750 mensais em moradia, mais os gastos com gás de cozinha e internet para que os filhos consigam estudar, Ivania conta que fica com R$ 50 para lidar com as demais despesas. Ivania ainda descobriu um câncer de mama, está fazendo tratamento quimioterápico, ao passo que cuida da casa e das crianças. Mas não possui nenhuma fonte de renda. Em meio a esse cenário, a dura realidade: se alimentar fica cada vez mais difícil.
“Está sendo muito difícil comprar ao menos os alimentos. A gente compra o que dá para comprar, feijão e arroz que é o principal. E não tem como colocar na feira fruta e verdura, essas coisas… Não dá para dar preferência pra isso. Eu tô sobrevivendo mais é da ajuda das pessoas”, relatou.
Para Ivania, o apoio do governo federal é muito aquém do que deveria ser. “Antes de você receber o benefício de R$ 400 do Auxílio Brasil ainda vem uma mensagem falando pra você verificar o que tem na cozinha e nos armários: ‘compra só o essencial’. Como é que a pessoa vai comprar só o essencial se o dinheiro nem dá pra comprar nada? Nem para comprar alimento básico?”, desabafou.
A cozinheira Merian Santos, 37 anos, também sentiu o aumento dos preços. Ela mora com a mãe, o marido, o filho, a irmã e o sobrinho em Capão Comprido, e é a única que recebe salário. “Como aqui em casa só eu que trabalho, e meu marido às vezes trabalha com bico, sou eu que banco tudo. Compro remédio para minha irmã, que é tudo caro, e aí fica um peso, fica muito caro para mim, porque sou eu sozinha que banco a casa.”
Recentemente, ela quitou as dívidas do cartão de crédito, e decidiu abolir o uso dessa forma de pagamento por um tempo, mas tem passado aperto sem a possibilidade de parcelar as compras. “As coisas do jeito que estão hoje em dia, você nem come direito, nem vive direito. Porque tem que comprar roupa, comida, remédio, então está muito difícil para manter. Para a gente que não tem muita condição, fica difícil”, disse.
Em situação mais delicada está a dona de casa Edineide do Amaral da Silva, de 36 anos, que vive na ocupação de Santa Luzia, na Estrutural. Ela e o marido, vindos da Bahia, são responsáveis por três filhos. A renda vem do antigo Bolsa Família e do trabalho do homem: entrega de meio-fio, que paga às sextas-feiras, ou sábados, ou domingos.
O barraco tem geladeira, mas está praticamente vazia. “Pelo jeito vai só piorar. Eu fiz o almoço aqui hoje e o gás quase que vai embora, e eu fiz o cadastro do Prato Cheio e do (vale) Gás e não fui aprovada”, lembra. Segundo ela, Santa Luzia é um lugar esquecido pelas autoridades.
Resta montar o quebra-cabeça para fazer o dinheiro render mais, e colocar o básico na mesa. “Hoje nós comemos arroz e ovo. Fiz um pouquinho de feijão, tem farinha, mas carne e mistura acabou, e tem que dar para o fim de semana. E aí depois disso a gente vai segurando até o próximo pagamento.”
No caso de Belchior Francisco Gabriel, o fogão é a lenha, e a carne, um luxo que só é possível no restaurante comunitário. O carroceiro, também morador de Santa Luzia, não compra carne no mercado há 15 anos: os fretes e bicos como construtor de barraco não são suficientes para bancar o alimento.
“Com os fretes que eu faço, infelizmente não dá para comprar tudo que precisa. Para dizer a verdade falta muita coisa. Eu pego aquele Prato Cheio, o do gás eu não consegui. Eu peço ajuda para as pessoas. Eu comi ontem no restaurante comunitário que é R$ 1, mas eu não tenho geladeira em casa. Às vezes fico dias sem comer”, contou.
Alô Valparaíso/*Com as informações de Correio Braziliense