Soberania, redes sociais e recado para Trump: veja os principais pontos do discurso de Lula na ONU
Presidente brasileiro abriu discursos dos chefes de Estado na Assembleia Geral da ONU nesta terça e fez críticas aberta ao presidente norte-americano
Em tradicional discurso de abertura dos chefes de Estados da 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas, nesta terça-feira (23), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu a soberania nacional, mandou recado ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e defendeu a regulação das redes sociais.
Veja ponto a ponto:
- Recado a Trump
Em recado direto ao presidente norte-americano, Donald Trump, Lula disse que “atentados à soberania, sanções arbitrárias e intervenções unilaterais estão se tornando a regra”.
“Existe um evidente paralelo entre a crise do multilateralismo e o enfraquecimento da democracia. O autoritarismo se fortalece quando nos omitimos frente a arbitrariedades. Quando a sociedade internacional vacila na defesa da paz, da soberania e do direito, as consequências são trágicas”, afirmou.
Em seguida, Lula disse que, em todo o mundo, “forças antidemocráticas tentam subjugar as instituições e sufocar as liberdades. Cultuam a violência, exaltam a ignorância, atuam como milícias físicas e digitais, e cerceiam a imprensa”.
“Mesmo sob ataque sem precedentes, o Brasil optou por resistir e defender sua democracia, reconquistada há quarenta anos pelo seu povo, depois de duas décadas de governos ditatoriais.Não há justificativa para as medidas unilaterais e arbitrárias contra nossas instituições e nossa economia”, afirmou.
Lula classificou “a agressão contra a independência do Poder Judiciário” como “inaceitável”. “Essa ingerência em assuntos internos conta com o auxílio de uma extrema direita subserviente e saudosa de antigas hegemonias. Falsos patriotas arquitetam e promovem publicamente ações contra o Brasil”, disse.
Lula afirmou que “não há pacificação com impunidade”.
- Bolsonaro
Lula citou o ex-presidente Jair Bolsonaro, motivo das sanções econômicas impostas por Donald Trump contra os produtos brasileiros. “Há poucos dias, e pela primeira vez em 525 anos de nossa história, um ex-chefe de Estado foi condenado por atentar contra o Estado Democrático de Direito”, detalhou.
“Foi investigado, indiciado, julgado e responsabilizado pelos seus atos em um processo minucioso. Teve amplo direito de defesa, prerrogativa que as ditaduras negam às suas vítimas. Diante dos olhos do mundo, o Brasil deu um recado a todos os candidatos a autocratas e àqueles que os apoiam: nossa democracia e nossa soberania são inegociáveis”, afirmou.
Lula garantiu que o Brasil seguirá “como nação independente e como povo livre de qualquer tipo de tutela”.
- Interferência dos EUA
O brasileiro ainda classificou como preocupante a equiparação entre “a criminalidade e o terrorismo”, medida adotada pelos Estados Unidos, além de citar ações norte-americanas em águas internacionais supostamente contra o tráfico de drogas.
“A forma mais eficaz de combater o tráfico de drogas é a cooperação para reprimir a lavagem de dinheiro e limitar o comércio de armas. Usar força letal em situações que não constituem conflitos armados equivale a executar pessoas sem julgamento”, afirmou.
“Outras partes do planeta já testemunharam intervenções que causaram danos maiores do que se pretendia evitar, com graves consequências humanitárias. A via do diálogo não deve estar fechada na Venezuela. O Haiti tem direito a um futuro livre de violência. E é inadmissível que Cuba seja listada como país que patrocina o terrorismo”, declarou.
- Ucrânia e Palestina
Lula também mencionou os conflitos armados que ocorrem no planeta, como a guerra entre Ucrânia e Rússia, que “já sabemos que não haverá solução militar”.
“O recente encontro no Alaska despertou a esperança de uma saída negociada. É preciso pavimentar caminhos para uma solução realista. Isso implica levar em conta as legítimas preocupações de segurança de todas as partes”, disse Lula.
Em relação a Palestina e o conflito com Israel, Lula disse que nenhuma situação é “mais emblemática do uso desproporcional e ilegal da força do que a da Palestina”.
“Os atentados terroristas perpetrados pelo Hamas são indefensáveis sob qualquer ângulo. Mas nada, absolutamente nada, justifica o genocídio em curso em Gaza. Ali, sob toneladas de escombros, estão enterradas dezenas de milhares de mulheres e crianças inocentes”, frisou.
Lula acrescentou: “Ali também estão sepultados o Direito Internacional Humanitário e o mito da superioridade ética do Ocidente. Esse massacre não aconteceria sem a cumplicidade dos que poderiam evitá-lo. Em Gaza a fome é usada como arma de guerra e o deslocamento forçado de populações é praticado impunemente”.
O petista ainda fez um aceno aos judeus “que, dentro e fora de Israel, se opõem a essa punição coletiva”. “O povo palestino corre o risco de desaparecer. Só sobreviverá com um Estado independente e integrado à comunidade internacional. Esta é a solução defendida por mais de 150 membros da ONU, reafirmada ontem, aqui neste mesmo plenário, mas obstruída por um único veto”, disse.
Lula considerou “lamentável” que o presidente Mahmoud Abbas “tenha sido impedido pelo país anfitrião [Estados Unidos] de ocupar a bancada da Palestina nesse momento histórico. O alastramento desse conflito para o Líbano, a Síria, o Irã e o Catar fomenta escalada armamentista sem precedentes”, avaliou.
- Força da democracia
O chefe de Estado do Brasil fez um discurso em defesa da democracia. Segundo ele, democracias sólidas vão além do ritual eleitoral.
“Seu vigor pressupõe a redução das desigualdades e a garantia dos direitos mais elementares: a alimentação, a segurança, o trabalho, a moradia, a educação e a saúde. A democracia falha quando as mulheres ganham menos que os homens ou morrem pelas mãos de parceiros e familiares”, listou.
Para Lula, a democracia também perde “quando fecha suas portas e culpa migrantes pelas mazelas do mundo”. “A pobreza é tão inimiga da democracia quanto o extremismo. Por isso, foi com orgulho que recebemos da FAO [Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura] a confirmação de que o Brasil voltou a sair do Mapa da Fome neste ano de 2025″, declarou.
No discurso, Lula também voltou a defender a mudança de prioridades dos líderes globais. “No mundo, ainda há 670 milhões de pessoas famintas. Cerca de 2,3 bilhões enfrentam insegurança alimentar. A única guerra de que todos podem sair vencedores é a que travamos contra a fome e a pobreza. Esse é o objetivo da Aliança Global que lançamos no G20, que já conta com o apoio de 103 países”, disse.
Para ele, a comunidade internacional precisar rever as suas prioridades e “reduzir os gastos com guerras e aumentar a ajuda ao desenvolvimento; aliviar o serviço da dívida externa dos países mais pobres, sobretudo os africanos; e definir padrões mínimos de tributação global, para que os super-ricos paguem mais impostos que os trabalhadores”.
- Redes sociais
Lula também aproveitou a ocasião para falar sobre a importância de regular as redes sociais, e disse que a democracia também deve proteger as crianças e os adolescentes.
“As plataformas digitais trazem possibilidades de nos aproximar como jamais havíamos imaginado. Mas têm sido usadas para semear intolerância, misoginia, xenofobia e desinformação. A internet não pode ser uma ‘terra sem lei’. Cabe ao poder público proteger os mais vulneráveis”, assegurou.
Lula disse, ainda, que essas medidas não são contra a liberdade de expressão. “Regular não é restringir a liberdade de expressão. É garantir que o que já é ilegal no mundo real seja tratado assim no ambiente virtual. Ataques à regulação servem para encobrir interesses escusos e dar guarida a crimes, como fraudes, tráfico de pessoas, pedofilia e investidas contra a democracia”, observou.
- Fortalecimento da ONU
O presidente Lula afirmou que a 80ª Assembleia Geral da ONU deveria ser um momento de celebração das Nações Unidas, mas que na verdade a instituição vive um momento sensível.
“Criada no fim da Guerra, a ONU simboliza a expressão mais elevada da aspiração pela paz e pela prosperidade. Hoje, contudo, os ideais que inspiraram seus fundadores em São Francisco estão ameaçados, como nunca estiveram em toda a sua história”, afirmou.
Lula acrescentou: “O multilateralismo está diante de nova encruzilhada. A autoridade desta Organização está em xeque. Assistimos à consolidação de uma desordem internacional marcada por seguidas concessões à política do poder”.
- Mudanças climáticas
Lula voltou a falar sobre a COP30, que será realizada em novembro, em Belém (PA), e será, segundo ele, a “COP da verdade”.
“Será o momento de os líderes mundiais provarem a seriedade de seu compromisso com o planeta. Sem ter o quadro completo das Contribuições Nacionalmente Determinadas (as NDCs), caminharemos de olhos vendados para o abismo. O Brasil se comprometeu a reduzir entre 59 e 67% suas emissões, abrangendo todos os gases de efeito estufa e todos os setores da economia”, citou.
“Nações em desenvolvimento enfrentam a mudança do clima ao mesmo tempo em que lutam contra outros desafios. Enquanto isso, países ricos usufruem de padrão de vida obtido às custas de duzentos anos de emissões. Exigir maior ambição e maior acesso a recursos e tecnologias não é uma questão de caridade, mas de justiça”, defendeu.
Lula também mencionou a corrida por minerais críticos, essenciais para a transição energética, que “não pode reproduzir a lógica predatória que marcou os últimos séculos”.
“Em Belém, o mundo vai conhecer a realidade da Amazônia. O Brasil já reduziu pela metade o desmatamento na região nos dois últimos anos. Erradicá-lo requer garantir condições dignas de vida para seus milhões de habitantes. Fomentar o desenvolvimento sustentável é o objetivo do Fundo Florestas Tropicais para Sempre, que o Brasil pretende lançar para remunerar os países que mantêm suas florestas em pé”, afirmou.
Para Lula, passou o momento dos países fazerem discursos, e a etapa agora exige “implementação”.
“É necessário trazer o combate à mudança do clima para o coração da ONU, para que ela tenha a atenção que merece. Um Conselho vinculado à Assembleia Geral com força e legitimidade para monitorar compromissos dará coerência à ação climática. Trata-se de um passo fundamental na direção de uma reforma mais abrangente da Organização, que contemple também um Conselho de Segurança ampliado nas duas categorias de membros”, defendeu.
Tensão entre Brasil e EUA
A fala inaugural de Lula ocorre um dia após a imposição de novas sanções dos EUA contra autoridades brasileiras. Nessa segunda (22), o governo de Donald Trump aplicou a Lei Magnitsky contra a mulher do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, Viviane Barci, e suspendeu o visto do advogado-geral da União, Jorge Messias.
Tradicionalmente, o presidente do Brasil é o primeiro chefe de Estado a falar nas assembleias gerais da ONU desde 1955. Após a declaração de Lula, será a vez de Trump discursar.
Não há, contudo, previsão de agenda fechada entre os líderes. No entanto, pode ocorrer um encontro informal entre Lula e Trump, pois os presidentes podem “se esbarrar” pelos corredores da ONU.
Brasil e EUA vivem sob tensão ao menos desde julho, quando o governo americano anunciou uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros. Uma das justificativas de Trump para a taxa foi uma suposta “caça às bruxas” do STF contra o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Lula reclama da falta de acesso às autoridades americanas para negociar uma reversão do imposto, mas diz que está pronto para conversar. Nessa segunda-feira (22), durante entrevista ao jornal PBS NewsHour, o brasileiro afirmou que “uma mesa de negociação não custa nada”.
Alô Valparaíso/* Com as informações do R7 | Foto: Ricardo Stuckert / PR


